Amazônia ETERNA



Poluição Urbana do Ar por Queimadas na Amazônia Brasileira


Poluição Urbana do Ar por Queimadas na Amazônia Brasileira


Marília Steinberger 
UnB/NEUR

Palavras-chave: população urbana, poluição do ar, núcleos urbanos e macro-região.

Quando se fala em poluição urbana do ar a referência mais comum é às  atividades industriais e de transportes. Nesse "paper" queremos chamar atenção para o fato de que esses dois tipos de poluição são mais freqüentemente estudadas em regiões já economicamente consolidadas, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, caso do sul e sudeste brasileiro. Entretanto, países como o Brasil possuem outras regiões, como a Amazônia e  o Planalto Central, onde as atividades econômicas predominantes estão ligadas ao setor primário (extrativismo florestal, mineração, pecuária, agricultura e pesca). Nestas, os principais núcleos urbanos são pontos de apoio às acima citadas atividades, cuja implantação, em geral, requer desmatamento seguido por queimadas que trazem sérias conseqüências para o equilíbrio do ecossistema e para as populações urbanas e rurais. O reconhecimento desse fato na Amazônia Brasileira permite introduzir a discussão de um outro tipo de poluição urbana do ar que é o objeto desse "paper": a das  queimadas de florestas. Nesse sentido, pretende-se mostrar sua extensão e seus efeitos usando os focos de calor identificados nas municipalidades onde os principais núcleos urbanos, em termos demográficos e econômicos, estão localizados. 

1. Introdução 
A Amazônia que conhecemos hoje é o resultado da implantação da política de integração nacional que a definiu como fronteira econômica.  Assim, desde os anos 60 do século XX, a região denominada de Amazônia Legal, para fins de planejamento, vem sendo alvo de maciças intervenções sob o comando do Estado Nacional Brasileiro. O Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002. objetivo era atender não só novas demandas do mercado internacional, como as relacionadas à modernização econômica do Sul-Sudeste do país. Isto gerou mudanças profundas nos padrões de exploração extrativa e de organização espacial da produção regional, historicamente ancorada na economia primário-exportadora da borracha, e no trabalho familiar e artesanal.  
Tais mudanças tiveram grandes repercussões na frágil rede urbana existente até os anos 50, polarizada por Belém, e, secundariamente, por Manaus e São Luís. Estas, além de cidades-capitais das três mais importantes unidades federadas da região (Pará, Amazonas e Maranhão), abrigavam os portos por onde era exportada a produção regional. 
Uma das principais repercussões ocorreu a partir dos núcleos urbanos das demais cidades-capitais das unidades federadas que compõe a Amazônia Legal, a saber: Cuiabá, capital de Mato Grosso; Porto Velho, capital de Rondônia; Rio Branco, capital do Acre; Boa Vista, capital de Roraima; Macapá, capital do Amapá; e Palmas, capital de Tocantins. Ao lado das anteriores, elas passaram a ser os nós de uma rede de ação pública-privada, ou seja, pontos de encontro privilegiados entre interesses nacionaisinternacionais e regionais-locais. Em outras palavras, segundo Steinberger [1] revela o papel dos núcleos urbanos como pontos de apoio para agentes e atores que exploramatividades ligadas ao setor primário da economia amazônica. Atualmente, as ligações externas das cidades-capitais, em termos políticos, se fazem diretamente com Brasília, sede do Estado Nacional  e, em termos econômicos, com o Sul-Sudeste e com várias partes do mundo.  Por outro lado, suas ligações internas estão associadas à influência que exercem sobre os núcleos urbanos menores e o mundo rural que os envolve. Isso sugere que,  em prol de um realinhamento nacional internacional, houve uma fragmentação da rede urbana intra-regional em várias subredes.  
É incontestável que este realinhamento regional permitiu uma participação mais efetiva na divisão do trabalho, devido à ampliação do volume de bens produzidos e à diversificação da sua estrutura produtiva. Entretanto, também é incontestável que gerou um maior "apetite" explorador e, consequentemente, uma pressão mais intensa sobre os recursos naturais da região, sabidamente portadora de ecossistemas com uma rica biodiversidade. Além disso, pouco contribuiu para melhorar as condições de vida de sua 2 população. Os vazamentos de renda, a presença da pobreza urbana e a deterioração da vida rural atestam tal fato.  
Neste contexto, um dos traços mais significativos do presente padrão de exploração dos recursos naturais é o surgimento de novas relações entre o mundo rural e o mundo urbano. Estas se materializam por meio de novas territorialidades, que assumem configurações desejáveis e indesejáveis. Dentre as indesejáveis está a poluição urbana do ar resultante do desmatamento e posteriores queimadas das florestas. Uma análise do processo de urbanização e das  atividades econômicas que geram essas territorialidades urbano-rurais é fundamental para se compreender onde e como elas se manifestam. 

2. O avanço do processo de urbanização e a base econômica amazônica 
Na maioria das pesquisas sobre a Amazônia Legal, dentre as características mais citadas estão o vazio demográfico e econômico. De fato, isso é verdade em análises comparativas com regiões de densidades elevadas e economias consolidadas. 
Entretanto, quando se considera a história regional e sua dinâmica de crescimento, a partir de dados demográficos e econômicos mais recentes, não corresponde mais à realidade.  
Tomando o Censo Demográfico do IBGE [2] é possível verificar a importância que o processo de urbanização da Amazônia vem adquirindo nas quatro últimas décadas. Sua população, que era de aproximadamente 5 milhões de habitantes em 1960, atingiu quase 20 milhões em 2000, 70% dos quais urbanos, em função de taxas de crescimento bem superiores às médias do restante do país.   
Em termos amazônicos, não há dúvida de que estamos diante de uma explosão demográfica urbana acontecendo a partir de 53 municípios que possuemsimultaneamente, mais de 50% de grau de urbanização e mais de 50 mil habitantes, patamar adotado pela ONU para definir núcleos permanentes (Tabela 1). Destes, 
9 abrigam as já citadas cidades-capitais das unidades federadas; 10 estão na faixa entre 100 e 500 mil; e 34 entre 50 e 100 mil. Juntos eles representam praticamente a metade da população da Amazônia Legal (26,5%, 9,5% e 12,2%), que se distribui em 750 municípios. Embora boa parte deles ainda se concentre nas unidades federadas do Pará e 3 do Maranhão, ou seja, na Amazônia Oriental, outras unidades como Rondônia, Mato Grosso e Amapá vem cada vez mais se urbanizando.   
A despeito disto, o avanço do processo de urbanização na Amazônia, dadas as peculiaridades fisiográficas da região,   não é generalizado e contínuo em grandes massas territoriais, mas sim pontual e associado à exploração dos recursos naturais. É resultado do que Machado [3] denomina de ordem intencional, decorrente da atuação estatal na implantação e incentivo a inúmeros projetos econômicos e de infra-estrutura de transportes e energia. Deram origem à núcleos urbanos que surgiram e/ou cresceram, de acordo com Martine & Turchi [4], em função de ações dirigidas para a fronteira. 
Um dos fatores que mais contribuiu para imprimir velocidade à urbanização amazônica foi a implantação de um conjunto de rodovias que, ao lado da Hidrovia do Rio Amazonas, constituem os principais eixos de ocupação regional. Tais eixos foramconcebidos de maneira a integrar a região e foram planejados como ossatura de suporte à exploração do seu território. Eles uniram a  região ao resto do país e as unidades 
federadas entre si. Por esta razão,  segundo o estudo do IPEA/UNICAMP/IBGE[5], fundaram uma nova fase de relações extra e intra-regionais. Esta fase iniciou-se com a construção de Brasília e sua ligação rodoviária à Belém (BR-153/010). Foi seguida pela abertura das rodovias Transamazônica (BR-230); Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco (BR-364); Porto Velho-Manaus-Boa Vista (BR-319/174); e Cuiabá-Santarém (BR-163), entre outras. Portanto, a atuação estatal em transportes redesenhou a rede urbana da 
Amazônia.  De fato, 41 dos  municípios mais importantes na demografia urbana regional, localizam-se nestes eixos ou em sua área de influência imediata. 
Esse tipo de análise permitiu a Ribeiro [6] sintetizar a natureza do processo de 
urbanização amazônico, desde os anos 60, a partir de três tipos de transformação nos 
padrões espaciais dominantes: localização, hierarquia e articulação. A localização dos 
núcleos urbanos, antes orientada pela rede fluvial, foi suplantada pelos eixos 
rodoviários. Na hierarquia, a primazia de  Belém, como metrópole de toda a região, 
atualmente se divide com Manaus, que ascendeu como metrópole da Amazônia 
Ocidental, e com as demais cidades-capitais. Por fim, a precária articulação entre os 
núcleos urbanos, deu lugar a vínculos mais estreitos entre os existentes e ao surgimento 
de novos. 
4 A motivação para todas estas transformações foi a exploração do potencial 
econômico da Amazônia ligado aos recursos naturais florestais (madeira, borracha, 
guaraná, babaçu, juta, castanha-do-pará, plantas medicinais e etc.) e aos animais, 
utilizados para a pesca e caça. Está também ligado aos recursos minerais (ferro, 
manganês, cassiterita, bauxita, ouro, cobre, níquel e titânio e etc.) e hidrelétricos. Além
disso, está na existência de um banco genético. 
Durante séculos a economia da Amazônia concentrou-se no extrativismo dos 
recursos naturais acima citados, que produziu poucos impactos ambientais negativos. 
Nas últimas décadas as atividades extrativistas vem sendo cada vez mais associadas à 
industrialização de produtos minerais e florestais em escala empresarial, o que causa 
sérios danos ambientais. Paralelamente, ocorreu uma expansão de atividades 
agropecuárias, instaladas com incentivos fiscais à projetos privados.  Foram
implantados ainda vários projetos de colonização, em geral geridos pelo próprio 
governo, para redirecionar a migração do Nordeste e abrigar migrantes do Sul, atraídos 
pela abertura da fronteira econômica. Boa parte dos projetos agropecuários e de 
colonização se localizaram em áreas impróprias e utilizaram sistemas de produção 
inadequados à ecologia da região. Por fim, destaca-se como marco desse período, a 
criação da Zona Franca Industrial de Manaus que abriga tão somente uma indústria não 
poluidora de montagem de produtos eletro-eletrônicos.  
Vejamos que riquezas essa escalada econômica trouxe para a Amazônia Legal e 
se há uma correlação entre os principais núcleos urbanos em termos demográficos e o 
Produto Interno Bruto (PIB) de seus municípios [7].  
Considerando o período 1970-1997, os dados de PIB nacional e regional 
mostram que o PIB brasileiro triplicou, enquanto o amazônico se multiplicou por quase 
sete. A participação da Amazônia Legal no PIB do país, que era de pouco mais de 3%, 
passou a ser de praticamente 7%. Por outro lado, quando se analisa a composição do 
PIB regional nas nove unidades federadas, verifica-se que, em 1970,  Pará, Amazonas e 
Maranhão respondiam por 75%, enquanto, em 1997, a importância relativa destas 
diminuiu, dando lugar à entrada de duas  outras que vieram assumindo destaque 
paulatino ao longo do período: Mato Grosso e Rondônia.  
Quanto à correlação demografia urbana-economia, é possível observar que 39 
dos 53 municípios antes referidos como responsáveis pela explosão populacional urbana 
5 da Amazônia, eram também os que possuíam PIBs com mais de 100 milhões de dólares 
em 1997 (Tabela 1). Eles representavam mais de 70% do PIB regional. Dentre eles 
estão as 9 capitais, 9 dos municípios da faixa de 100 a 500 mil habitantes e 21 da faixa 
de 50 a 100 mil habitantes que respondiam respectivamente por cerca de 56%, 7% e 7% 
do PIB regional. Portanto, pode-se afirmar que a riqueza da Amazônia está concentrada 
primeiramente nos municípios das cidades-capitais e, secundariamente, nos municípios 
das demais faixas. É possível afirmar também que a riqueza está muito mais 
concentrada do que a população. 
Isso poderia induzir a analisar a poluição urbana do ar decorrente de queimadas 
apenas nas cidades-capitais e na sua área de influência imediata, devido ao seu grande 
peso demográfico e econômico. Entretanto,  quando se leva em conta a já referida 
relação entre o mundo urbano e o mundo rural, estreitada pela associação do 
extrativismo florestal e mineral com a industrialização, os 39 núcleos urbanos adquirem
um significado especial como será visto a seguir. 
A análise do seu PIB setorial, permite constatar que eles abrigam atividades 
terciárias de serviços e comerciais, tipicamente urbanas, que dão suporte às industriais e 
agropecuárias, ligadas ao mundo rural.  Isso porque, em todos, os quatro setores 
comparecem na composição do PIB, mas em 25 deles o setor terciário representa mais 
de 2/3.  Dos 14 restantes, em 9 o PIB industrial é significativo (Manaus e Itacoatiara no 
Amazonas; Ananindeua, Castanhal, Tucuruí, Paragominas e Capanema no Pará; 
Açailândia no Maranhão; e Santana no Amapá); em 3 o PIB agropecuário tem alguma 
expressão (Altamira e Itaituba no Pará;  e Cacoal em Rondônia); e em 2 os PIBs 
industrial e agropecuário dividem  importância (Marabá e Redenção, ambos no Pará). 
Considerando os principais produtos, aos quais as atividades econômicas dos 39 
núcleos estão ligadas, é possível classificá-los nos grupos abaixo: 
- pólos madeireiros - 8 no Pará (Paragominas, Redenção, Marabá, Açailandia, 
Santarém, Tucuruí, Altamira e Itaituba), 6 em Rondônia (Ariquemes, Vilhena, Porto 
Velho, Jaru, Ji-Paraná e Cacoal), 2 no Amazonas (Itacoatiara e Manaus), 1 em Mato 
Grosso (Sinop), 1 no Amapá (Macapá), 1 no Acre (Rio Branco), 1 em Roraima (Boa 
Vista) e 1 no Maranhão (Imperatriz). Estes 21 pólos, que representam 40% de toda 
produção da Amazônia, foram identificados por Veríssimo [8]. Dentre eles, destacam-se 
Paragominas e Sinop que respondem por 20%; 
6 - pólos de plantação e escoamento de soja - 3 no Mato Grosso (Rondonópolis, 
Sinop e Tangará da Serra), 1 em Rondônia (Vilhena),  1 no Amazonas (Itacoatiara) e 1 
no Maranhão (São Luís). Eles fazem parte do denominado "arco da soja" que começa 
em Vilhena - Rondônia, passa pelo Mato Grosso, Tocantins e chega ao sul do Maranhão 
em Balsas; 
- pólos de mineração - 3 de ferro no Pará ligados ao Projeto Carajás (Marabá, 
Parauapebas e Açailândia); 1 de cassiterita em Rondônia (Ariquemes), e 1 de alumínio 
em São Luís no Maranhão; e  
- pólos de produtos extrativos tradicionais, ligados aos ramos industriais de 
alimentos, têxteis e minerais não metálicos - 4 no Pará (Bragança, Capanema, Castanhal 
e Abaetetuba, centros mais antigos de povoamento da Amazônia), 1 no Amazonas 
(Parintins) e 1 no Amapá (Santana). 
Cabe observar que alguns municípios aparecem em mais de um grupo. Outros 
ficaram fora da classificação. São centros de apoio comercial, industrial e de serviços 
dos produtos citados, caso de Belém-Ananindeua e Cuiabá-Várzea Grande, que tem
caráter de aglomerações metropolitanas, além de Palmas, Bacabal, Cáceres e Barra do 
Garças. As cidades-capitais de Boa Vista, Macapá, Porto Velho e Rio Branco, que 
predominantemente exercem funções político-administrativas, também são pólos 
madeireiros.  
3. Poluição urbana do ar por queimadas 
De um modo geral, todas essas atividades vem contribuindo para gerar novas 
relações urbano-rurais que se concretizam por meio de novas territorialidades. Algumas 
desejáveis, como a dos links insumo-produto ou mão de obra-mercado de trabalho, e 
outras indesejáveis, a exemplo da citada poluição urbana do ar. 
O fato é que tais atividades, aliadas ao avanço e à velocidade do processo de 
urbanização, trouxeram diversos tipos de impactos ambientais. Dentre eles cabe 
destacar: perda de biodiversidade, redução do potencial produtivo dos solos, erosão, 
poluição de rios, desmatamentos e queimadas.  
Uma das maneiras de medir impactos  é o índice de pressão antrópica (IPA) 
proposto por Sawyer [9], como um indicador sintético de pressões econômicas e 
7 demográficas sobre o meio ambiente. Quando se analisa a Amazônia comparativamente 
a outras regiões do país o IPA é baixo. Entretanto, de acordo com Monteiro & Sawyer 
[10], quando se observa a região internamente o resultado é diferente.  Em várias áreas 
da Amazônia oriental, o IPA chega a ser médio e alto, casos no sul de Mato Grosso, 
noroeste do Maranhão e nordeste do Pará. Isso se deve basicamente às pressões urbanas, 
de lavouras e de bovinos e pode estar associado aos eixos rodoviários já mencionados. 
Por outro lado, na Amazônia ocidental, onde o antropismo é bem menor, em geral o IPA 
é baixo e muito baixo. As pressões mais altas restringem-se ao centro de Rondônia, leste 
do Acre e entorno de Manaus.  
Embora o IPA forneça um panorama sobre as áreas ambientalmente mais 
degradadas ele não entra no mérito dos tipos de impactos recebidos. Assim, é necessário 
acrescentar outros indicadores quando se pretende analisar um determinado tipo de 
impacto, como no presente paper, o das queimadas sobre o espaço urbano.  
A maioria dos estudos sobre queimadas na Amazônia se preocupa com os 
impactos ecológicos e econômicos, inserindo os impactos urbanos dentro dos últimos 
como um custo para a sociedade. Nepstad et ali [11] , por exemplo, consideram que um
dos custos mais visíveis dos incêndios da Amazônia está associado à fumaça que invade 
os centros urbanos enviando dezenas de milhares de pessoas para clínicas de saúde com
sintomas de bronquite, asma e outras doenças respiratórias nos meses de pico das 
queimadas. Além disso, ressaltam que a fumaça reduz a visibilidade, provocando 
acidentes de trânsito e o fechamento de aeroportos em várias cidades da Amazônia.  
Essas afirmações, ainda que verdadeiras, tratam os impactos urbanos apenas 
como uma conseqüência e deixam de lado o reconhecimento de que o uso dessa prática 
representa uma nova territorialidade que surge a partir das relações urbano-rurais. Aqui, 
vamos defender a idéia de que o espaço  urbano não apenas sofre os efeitos das 
queimadas, mas, principalmente, nele se geram boa parte das causas de seu uso 
indiscriminado. Isso porque é o locus  onde os atores-agentes econômicos tomam
decisões sobre as formas de exploração da floresta. Esse enfoque é fundamental quando 
se considera a necessidade de incluir nas políticas ambientais, não somente ações 
corretivas mas também as preventivas que  estão basicamente ligadas à mudança de 
comportamentos e atitudes. Visto dessa maneira, o espaço urbano não seria um mero 
receptáculo desse tipo de territorialidade indesejável. 
8 Reconhecer a importância dos efeitos das queimadas sobre o espaço urbano 
amazônico é sem dúvida um primeiro passo  para abordar o tema. Entretanto, ele é 
insuficiente se não for seguido de outras investigações. Assim, um segundo passo é 
medir a extensão aproximada da origem das queimadas por meio dos focos de calor. O 
terceiro é identificar os agentes e atores que as geram e o quarto é verificar se as 
propostas atuais vem contemplando o enfoque aqui adotado. 
Uma tentativa de avançar em direção ao segundo passo será feita a seguir, 
descobrindo as territorialidades indesejáveis que se configuram a partir dos núcleos 
urbanos dos 39 municípios mais significativos em demografia urbana e economia. Para 
tanto, delimitaram-se as áreas de influência de tais núcleos, que envolvem não só os 
focos de calor destes, mas também o de  alguns de seus vizinhos contíguos quando o 
número era alto. O suposto é que a maioria dos focos está relacionada à exploração dos 
produtos antes classificados, embora estejam incluídas as queimadas tipicamente 
urbanas como as de incineração de lixo residencial. Cabe ressaltar que não estão sendo 
levados em conta aspectos fisiográficos, como vento e chuva, que podem contribuir para 
dispersar ou adensar os efeitos dos focos.  
Para contextualizar o peso que o problema das queimadas assume na Amazônia 
Legal, os dados do PROARCO/IBAMA [12], para o ano 2000, mostram que ela 
concentrava cerca de 65% dos focos de calor do Brasil, dos quais mais de 50% nas 
unidades federadas do Mato Grosso, Pará e Maranhão.  Depois destes despontam com
número de focos bastante expressivo Tocantins e Rondônia.  
Os 39 núcleos urbanos principais da Amazônia Legal e sua área de influência 
representavam 27% do total de focos do pais e 42% da região. Isso eqüivaleria a dizer 
que dos 14 milhões de habitantes urbanos amazônicos quase 6 milhões estariam
expostos à poluição urbana do ar por queimadas. Esta constatação traz a necessidade de 
verificar a correlação entre os núcleos urbanos mais importantes e a ocorrência de 
queimadas. Além do número absoluto de focos, outros indicadores como focos por 1000 
habitantes e área média por foco em Km2, serão utilizados para subsidiar a análise. 
Considerando as três unidades federadas onde o problema é mais sério é possível 
observar que a área de influência dos principais núcleos urbanos de Mato Grosso e do 
Maranhão gerava apenas cerca de 20% do total de focos de calor em cada um deles, ao 
passo que no Pará essa participação chegava a mais de 75%. Isso significa nos dois 
9 primeiros a correlação focos de calor-núcleos urbanos é baixa, levando a concluir que os 
focos não estão concentrados nessas áreas, mas sim espalhados em municípios mais 
ruralizados que se distribuem pelo território das unidades federadas. Esse também é o 
caso do Amazonas (23%) e do Tocantins (7%). Por outro lado, no Pará a correlação é 
alta, pois há uma concentração da ocorrência de queimadas nos principais núcleos 
urbanos e sua área de influência, o que  também é verdade para Roraima (93%), 
Rondônia (76%), Acre (76%) e Amapá (52%).  Portanto, existem mais territorialidades 
indesejáveis nestes. 
Quando se olha o número de focos da área de influência dos principais núcleos 
urbanos, é curioso observar que as cidades-capitais situadas no topo da lista em
importância demográfica e econômica (Manaus, Belém, São Luís e Cuiabá) não geram
territorialidades urbanas indesejáveis por queimadas. Entretanto, as demais, à exceção 
de Palmas, geram, não pelo número de focos ser grande, mas porque nelas se concentra 
um percentual alto em relação à unidade federada.  Utilizando o mesmo raciocínio para 
os núcleos urbanos das faixas de 100 a 500 mil e de 50 a 100 mil habitantes, nota-se que 
as últimas geram muito mais territorialidades indesejáveis. Quer dizer, são os menores 
núcleos do grupo dos 39 os que sofrem mais os efeitos das queimadas.  
Em síntese, por ordem de grandeza do número de focos, uma listagem
preliminar das areas de territorialidades indesejáveis inclui 18 núcleos urbanos e suas 
áreas de influência (Tabela 1): 
- 4 cidades-capitais - Porto Velho, Rio Branco, Boa Vista e Macapá; 
- 2 núcleos de 100/500 mil habitantes - Marabá (Pará) e Ji-Paraná (Rondônia);  
- 12 núcleos de 50/100 mil habitantes  - 6 no Pará (Altamira, Paragominas, 
Redenção, Parauapebas, Tucuruí, Itaituba), 3 em Rondônia (Cacoal,  Vilhena, 
Ariquemes), 2 no Mato Grosso (Sinop, Cáceres); 1 no Maranhão (Açailândia).  
Essa listagem sugere algumas considerações finais: 
- no conjunto, as populações urbanas do Pará e de Rondônia são as mais 
atingidas por queimadas; 
- o cruzamento destes dados com a área e a população, permite constatar que, em
boa parte desses núcleos, à exceção das cidades-capitais, o número de focos por 1000 
habitantes é maior que 7 e a área média  por foco é menor que 40 Km2. Em alguns, 
10 ambos indicadores ficam em torno de 20, casos de Sinop, Paragominas, Redenção e 
Tucuruí, os que mais sofrem os efeitos das queimadas; e 
- todos esses núcleos, exceto Parauapebas e Cáceres, são pólos madeireiros, 
inclusive as cidades-capitais, conforme antes mostrado. 
De fato, uma das atividades econômicas considerada mais devastadora em
termos ambientais é a madeireira. No Brasil, as formações arbóreas da Amazônia 
ocupam 3,5 milhões de Km² e ainda estão preservadas em mais de 90% de sua extensão, 
conforme mostrado pelo INPE através de dados obtidos das imagens do satélite 
LANDSAT/TM [13], onde o desmatamento que representava pouco mais de 1% no 
início dos anos 70, passou a ser  de 6% em 1990 e chegou aos 10% em 2000.  
Há que se ter muito cuidado na interpretação desses números.  Eles podem ser 
enganosos pois permitem pensar que os desmatamentos e as queimadas que se seguem a 
eles não são tão grandes assim. Entretanto, quando se considera a sua velocidade 
temporal e a sua extensão em termos absolutos a questão é muito séria.  
Isso levaria a trabalhar sobre o terceiro e o quarto passo, ou seja, identificar 
agentes-atores e as propostas de intervenção sobre o problema, o que merece um estudo 
específico e não é objeto desse paper. Apenas, à título de especulação, vale citar dois 
pontos a serem pesquisados: 
- a reversão do pensamento de que é necessário aceitar a prática das queimadas 
como algo histórico e tradicional, uma vez que hoje já se conhecem outras alternativas 
como as práticas de fogo controlado; 
- o reconhecimento de que não há um único tipo de agente responsável pelo 
problema. Madeireiros, pecuaristas e pequenos colonos agem com a permissão ou 
omissão das autoridades estatais, movidas por interesses particulares ou públicos. Como
diz Margulis [14] não há uma força principal que impulsione ou explique sozinha a 
questão. As causas são várias e decorrem de uma combinação complexa de fatores. 


Referências Bibliográficas

[1] STEINBERGER, M., O zoneamento ecológico-econômico e a questão urbana na
Amazônia. Anais do Seminário sobre Zoneamento Ecológico-Econômico na Amazônia
Brasileira, ed. B. Millikan, Ministério do Meio Ambiente: Manaus (cd-rom), 2000
[2] Brasil/IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Demográfico do
ano 2000: Rio de Janeiro, 2001
[3] Machado, L. O., Urbanização e mercado de trabalho na Amazônia Brasileira.
Cadernos IPPUR 13(1), pp. 109-138, 1999
[4] Martine, G. & Turchi, L. A urbanização da Amazônia: realidade e significado. C &
T no processo de desenvolvimento da região amazônica, ed. ABEP: Rio de Janeiro e
São Paulo, pp. 26-39, 1989
[5] IPEA/NESUR/IBGE (1999). Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil,
UNICAMP: Campinas, 1999
[6] Ribeiro, M.A., (1998). A complexidade da rede urbana amazônica: três dimensões
de análise, tese de Phd UFRJ: Rio de Janeiro (mimeo), 1998
[7] Brasil/IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - tabelas especiais de PIB
amazônico solicitadas pela autora deste paper
[8] Veríssimo A., Arima E. & Lima E., O Diagnóstico do Uso da Terra na Amazônia
(capítulo 3 - Parte IV). Biodiversidade na Amazônia Brasileira, ed. Capobianco J.R. et
alii, Estação Liberdade/Instituto SocioAmbiental: São Paulo,
 pp. 327-337, 2001
[9] SAWYER, D.,  Indice de pressão antrópica: uma proposta metodológica, ISPN:
Brasília (mimeo),  1997
[10] Monteiro, M.P. & Sawyer, D., Diagnóstico Demográfico, Socioeconômico e de
Pressão Antrópica na Região da Amazônia Legal (capítulo 1 - Parte IV). Biodiversidade
na Amazônia Brasileira, ed. Capobianco J.R. et alii, Estação Liberdade/Instituto
SocioAmbiental: São Paulo, pp. 308-320, 2001
12 [11] Nepstad, D.C., Moreira, A.G., & Alencar, A. A., A floresta em chamas: origens,
impactos e prevenção de fogo na Amazônia, Programa Piloto para a Proteção das
Florestas Tropicais do Brasil: Brasília, Brasil, 1999
[12] Brasil/IBAMA  - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente -  tabelas especiais de
focos de calor solicitadas ao Proarco pela autora deste paper
[13] Brasil/INPE - Instituto de Pesquisas Espaciais - http://www.cptec.inpe.br
[14] Margulis, S., Quem são os agentes dos desmatamentos na Amazônia e por que eles
desmatam, relatório parcial de pesquisa, Banco Mundial, Brasília, 2001
Agradecimentos e Créditos:
A João Raposo Gerente do PROARCO/IBAMA, a Nelson Zackseski do IPEA, e aos
assistentes de pesquisa Laiza Leal e Taiguara Raiol Alencar  


Notícia - POLUIÇÃO

Poluição muda a Amazônia, diz pesquisa



A alta concentração de gás carbônico na atmosfera, gerada pelo uso de combustíveis fósseis, como os derivados do petróleo, está dando uma nova face à floresta amazônica, de acordo com um estudo que será publicado na revista Nature desta quinta-feira.


O estudo envolve cientistas americanos e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Os pesquisadores demarcaram 18 áreas de um hectare cada e acompanharam o crescimento de quase 13,7 mil árvores de tronco com diâmetro superior a 10 cm ao longo de 20 anos.

Das 115 espécies analisadas, 27 apresentaram grandes mudanças no que diz respeito à taxa de crescimento, tanto em tamanho individual quanto em população. Entre essas espécies, 14 cresceram acima do normal em tamanho e em população. Outras 13, que têm crescimento mais lento, perderam seu espaço na floresta.

Além disso, a pesquisa mostrou que as árvores estão tendo uma vida mais curta e sendo substituídas por árvores jovens mais rapidamente.

Competição



A longo prazo, isso pode indicar que a floresta corre o risco de estar perdendo a capacidade de filtrar o ar.

"Em linhas gerais, as árvores maiores e que crescem mais rápido estão vencendo a disputa com as árvores menores e de crescimento menos acelerado", disse o pesquisador Alexandre Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), à agência de notícias britânica Press Association.

Segundo o artigo, que será publicado na Nature, a causa mais provável dessas mudanças é a concentração de gás carbônico na atmosfera.
Os pesquisadores acreditam que esse excesso de gás carbônico está aumentando a competição por luz, água e nutrientes do solo, beneficiando as espécies maiores.
"É assustador perceber que florestas aparentemente intactas podem mudar tanto e tão rapidamente", disse à agência de notícias Reuters o coordenador da pesquisa, William Laurance, do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais dos Estados Unidos, que tem sede no Panamá.
Os cientistas acreditam que essa inesperada mudança no padrão de crescimento das árvores pode ser um indício de modificações mais profundas em todo o ecossistema da floresta.



FONTE: http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2004/03/040310_natureamt.shtml



Amazônia - Poluição das Águas


É preciso salvar também as cidades
Mais de 70% do povo da região vive em cidades
e enfrenta problemas similares aos de quem mora
nas metrópoles do sudeste - só que na Amazônia
eles são ainda piores



Ronaldo Soares, de Belém
Pedro Martinelli
DESASTRE AMBIENTAL
Palafitas da favela Igarapé do 40, em Manaus: esgoto e lixo são lançados diretamente
sobre os rios, cuja água também é usada para banho

Para a maioria dos que a veem de fora, a Amazônia é uma enorme extensão verde salpicada de pequenas comunidades ribeirinhas. Nessa visão, a preservação das matas estaria garantida se o "povo da floresta" tivesse boas condições de vida e não precisasse destruir o ambiente para se sustentar. Pois bem, o povo não está mais na floresta. Começou a sair de lá nos anos 70. Há quarenta anos, apenas 3,5% da população da Amazônia vivia em cidades. Hoje, são 73%. Só as áreas metropolitanas de Manaus e Belém abrigam, cada uma, 2 milhões de habitantes. E eles vivem em condições semelhantes - mas, em geral, piores - às dos cidadãos do resto do país. Para os que moram lá, o problema mais grave não é a devastação. São as favelas, o crime e o desemprego - preocupações idênticas às de quem vive nas outras capitais do Brasil, com a agravante de que os nortistas dispõem da pior infraestrutura. Na região que concentra 80% da água doce do país, falta água encanada. Em Rondônia, apenas 40% das casas têm acesso a esse serviço. A situação dos esgotos é ainda pior: somente 9,7% dos domicílios do Norte estão ligados à rede coletora. A média nacional é de 51%. Mais de 90% dos municípios não dispõem de aterros sanitários. O lixo é disposto a céu aberto ou despejado in natura nos rios.
Como era de esperar, a ocupação desordenada das cidades teve severo impacto na saúde da população local. As doenças associadas à pobreza e ao súbito adensamento populacional grassaram. A hanseníase, por exemplo, acomete 54 de cada 100 000 habitantes da região, duas vezes e meia a incidência do resto do país. No Pará e no Amazonas, a tuberculose é quase endêmica. "Com o crescimento das favelas, a ocorrência dessas doenças aumentou, mas os dados oficiais são falhos. Muitos casos não integram as estatísticas oficiais porque a população não tem acesso ao sistema de saúde, e eles simplesmente não são diagnosticados", diz Marcus Vinícius Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. Na Amazônia, que já liderava as estatísticas de casos de leishmaniose, o avanço das cidades sobre a floresta contribuiu para sua propagação. Em apenas seis anos, entre 2002 e 2008, o número de ocorrências registradas dobrou: passou de 2,5 para 5,2 por 100 000 habitantes.
A urbanização repentina também trouxe a malária, que é típica da floresta, para o coração das cidades. Como a leishmaniose, a malária é transmitida por um mosquito, o Anopheles, e prolifera em zonas urbanas por incompetência das autoridades e desleixo dos moradores, que mantêm em casa água empoçada, na qual o inseto se reproduz. A doença é endêmica na Região Norte, que registrou 297 000 casos no ano passado. Manaus, que concentra o maior número de vítimas, sofre de um problema adicional para combater o mosquito. Encravados no meio da floresta, seus bairros são de fácil acesso para o Anopheles. A situação também é crítica em Porto Velho e Cruzeiro do Sul, a segunda maior cidade do Acre. Junto com Manaus, essas cidades concentram 25% das ocorrências nacionais de malária. A capital da malária, no entanto, é outra. É impossível encontrar um entre os 27 000 habitantes de Anajás, no Arquipélago de Marajó, que não tenha contraído a doença. "Aqui, a gente não pergunta se a pessoa já teve malária, mas quantas vezes ela teve", diz Marcus Jardim, servidor da prefeitura local. Desde que chegou a Anajás, há três anos, Jardim contraiu a doença quatro vezes.
Aterrador para os habitantes de outras regiões, esse cenário de doenças, sujeira e carência envolto pela mata não parece tão ruim para os ribeirinhos. Eles abandonam as margens de rios e povoados à beira de estradas porque vivem melhor nas capitais e nas cidades médias. Há nove meses, Rosângela Xavier, de 26 anos, convenceu seu marido a deixar Itacoatiara e levá-la junto com os dois filhos para Manaus. A família Xavier mora na favela de Luís Otávio, em um barraco de 9 metros quadrados mobiliado com dois colchões, duas redes, geladeira, fogão e um ventilador, que não refresca o ambiente, mas espanta os mosquitos. Como Rosângela, boa parte dos moradores não tem banheiro em casa. Eles compartilham cercadinhos improvisados às margens de um igarapé. Rosângela paga 30 reais por mês para ter água potável. Esse, aliás, é o único ponto que a incomoda na vida na cidade. "Aqui, a gente paga por tudo." Rosângela diz que melhorou de vida. Tem energia em casa, graças a um "gato" na rede elétrica, e recebe 100 reais mensais do Bolsa Família.
Pedro Martinelli e Araquém Alcântara
INCRÍVEL FALTA DE ÁGUA
Apesar de encravadas na maior bacia hidrográfica do planeta, muitas cidades não têm água potável. Ao lado, cacimba no centro de Manaus
O isolamento é um dos aspectos mais cruéis da vida na Amazônia, onde 5% dos brasileiros se espalham por 60% do território nacional. Um terço dos amazônidas vive em áreas nas quais o estado não se preocupa em fornecer luz, água potável, serviços de saúde e escolas. Algumas localidades são tão remotas que nelas não há dinheiro, porque ele não serve para comprar nada. O comércio ainda é feito por escambo. Se precisar de um médico, um morador de Mapuá, em Marajó, terá de viajar vinte horas de barco para chegar a Breves, que dispõe de um pequeno hospital. Se o caso for mais grave, levará mais doze horas de barco até Belém. Isso pode ocorrer até dentro de um município. Altamira, no Pará, tem distritos a 900 quilômetros do centro - mais distantes que Brasília e Belo Horizonte. O povoamento rarefeito leva os governantes a preterir a região em prol de outras onde a densidade populacional é maior e, por consequência, recebem mais recursos do fundo nacional de municípios. "O critério demográfico prejudica a Amazônia na distribuição de recursos federais", lamenta Jorge Viana, ex-governador do Acre.
Por isso, os governos incentivaram o êxodo em direção às cidades - e ainda o fazem. Nos anos 70 e 80, carros de som do governo do Amazonas convidavam os moradores do interior a se mudar para Manaus, onde haveria vagas na incipiente indústria da Zona Franca. É ingênuo pensar que a Amazônia será salva enquanto forem essas as condições de vida de quem mora lá. É necessário salvar também os amazônidas. Seu passado prova que o descalabro atual decorre de uma longa estagnação econômica que começou com a crise da borracha. Pouco antes, em 1904, o escritor Euclides da Cunha assombrava-se com a infraestrutura da região. "Não se imagina no Brasil o que é a cidade de Belém, com seus edifícios desmesurados, suas praças incomparáveis e sua gente de hábitos europeus, cavalheira e generosa", escreveu em uma carta. O futuro da Amazônia depende, agora, da urbanização de favelas, de investimentos em água potável, saneamento, iluminação e da promoção de um choque de segurança. Há boas soluções para esses problemas. Com um sistema de captação e tratamento de água das chuvas, o Amazonas reduziu em 70% os casos de diarreia em algumas comunidades. Há áreas que podem ser iluminadas com energia solar. As polícias do Pará e do Amazonas podem trabalhar juntas para fiscalizar os rios e evitar que a cocaí na chegue a Belém e Manaus. Essas medidas dependem do crescimento da economia local para ser universalizadas. Caso contrário, a população da Amazônia continuará entregue à própria sorte e a floresta, à destruição.



NOVA ABORDAGEM - POLUIÇÃO

Caros leitores do BLOG,

Seguindo nosso intuito inicial, saímos de 'Desmatamento da Biodiversidade' para 'POLUIÇÃO' como foco.
Essa nova abordagem tem como objetivo mostrar mais um pouco da realidade da poluição na Amazônia; como a sociedade trata esse bioma de forma tão injusta e perversa.
Antes de tudo, eu pergunto: O QUE VOCÊS SABEM SOBRE POLUIÇÃO?
alias...
O QUE É POLUIÇÃO?!
No objetivo de responder essa entre outras perguntas, este post explica de forma básica e aprofundada o conceito de poluição. E na próxima semana vamos focar e discutir sobre a Poluição na Amazônia.

Agradecemos a todos nossos leitores assíduos, e bons estudos!

  ;)



----------------------------------------------------------------- POLUIÇÃO 


Por poluição entende-se a introdução pelo homem, direta ou indiretamente de substâncias ou energia no ambiente, provocando um efeito negativo no seu equilíbrio, causando assim danos na saúde humana, nos seres vivos e no ecossistema ali presente.[1]
Os agentes de poluição, normalmente designados por poluentes, podem ser de natureza químicagenética, ou sob a forma de energia, como nos casos de luzcalor ou radiação.
Mesmo produtos relativamente benignos da actividade humana podem ser considerados poluentes, se eles precipitarem efeitos negativos posteriormente. Os NOx (óxidos de azoto) produzidos pela indústria, por exemplo, são frequentemente citados como poluidores, embora a própria substância libertada, por si só não seja prejudicial. São classificados como poluentes pois com a acção dos raios solares e a humidade da atmosfera, esses compostos dão origem a poluentes como o HNO3 ou o smog.

Tipos de poluição

Poluentes mais frequentes e seus efeitos mais temidos


Poluição Global

Os problemas de poluição global, como o efeito estufa, a diminuição da camada de ozônio, as chuvas ácidas, a perda da biodiversidade, os dejectos lançados em rios e mares, entre outros materiais, nem sempre são observados, medidos ou mesmo sentidos pelapopulação.
A explicação para toda essa dificuldade reside no fato de se tratar de uma poluição cumulativa, cujos efeitos só são sentidos a longo prazo. Apesar disso, esses problemas têm merecido atenção especial no mundo inteiro, por estarem se multiplicando em curto tempo e devido a certeza de que terão influência em todos os seres vivos.



Biodiversidade DESMATAMENTO - Texto Final


RESUMO
A SOCIEDADE brasileira recebe, anualmente, a estimativa de perda de floresta na Amazônia por meio da taxa de desflorestamento divulgada pelo Inpe, a qual, em 2004, foi de aproximadamente 26.130 km2 . O que não se conhece é o quanto de recursos naturais se perde a cada quilômetro quadrado de floresta destruída. Neste trabalho, apresentamos números concretos desta perda, baseados em estudos recentes sobre a densidade de plantas e de alguns grupos de animais na Amazônia. Com base nisso, defendemos a idéia de que não há necessidade de se ampliar o desflorestamento na região e que, portanto, qualquer licença de desmatamento deveria ser proibida na Amazônia. Sugerimos também que o sistema de ciência e tecnologia regional deve ser descentralizado através do desenvolvimento de programas de pesquisa integrados, focalizados no desenho e no teste de modelos de territórios sustentáveis para os diferentes setores da região.
Palavras-chave: Amazônia; biodiversidade; território sustentável; desflorestamento.


 Introdução
A PRODUÇÃO CIENTÍFICA sobre o conhecimento dos vários aspectos da diversidade biológica da Amazônia brasileira vem crescendo de maneira expo-nencial na última década. Na mesma direção, observa-se que as instituições públicas e privadas vêm experimentando, por meio de uma estratégia de parcerias, uma nova fase de articulação institucional. Essas ações são movidas pelo objetivo comum da necessidade de um avanço rápido do conhecimento científico sobre a composição e a ecologia das espécies amazônicas. Essa estratégia, atrelada à complementaridade de competências e experiências institucionais, é uma resposta ao padrão atual das altas taxas de desmatamento e destruição de paisagens naturais, uma vez que o processo de mudança no uso da terra é sempre mais veloz do que o processo científico de descrição de novas espécies ou descobrimento de compostos naturais para uso medicinal ou industrial. Por meio da troca de informações e da criação de programas de pesquisa interdisciplinares, espera-se que os resultados da investigação científica tornem-se mais eficazes e direcionados para subsidiar decisões de governo e políticas públicas.
Um dos maiores desafios científicos brasileiros é planejar um sistema de gestão territorial para a Amazônia, a região de maior biodiversidade do planeta, que leve em conta tanto a conservação dos seus extraordinários recursos naturais como a promoção do desenvolvimento social e econômico dos quase vinte milhões de habitantes que vivem nessa região. O conhecimento científico sólido acumulado durante décadas pelas instituições regionais de pesquisa ocupou um papel irrelevante nessa discussão. Apesar de toda a literatura publicada até então, que indicava que a diversidade e a fragilidade dos ecossistemas amazônicos exigiam uma ocupação cuidadosa e bem planejada, a colonização da Amazônia a partir do final da década de 1960 foi marcada pelo processo violento de ocupação e degradação ambiental característica das "economias de fronteira", nas quais o progresso é entendido simplesmente como crescimento econômico e prosperidade infinitos, baseados na exploração de recursos naturais percebidos como igualmente infinitos (Becker, 2001). Com base no ferro e no fogo e sem levar em consideração as peculiaridades dos diversos espaços ecológicos amazônicos e os desejos e anseios da população regional, um modelo exógeno baseado na extração predatória dos recursos florestais, seguidos pela substituição da floresta por extensas áreas de pastagem ou agricultura, mostrou-se inapropriado para a região. A ocupação se fez em surtos devassadores ligados à valorização momentânea de produtos nos mercados nacional e internacional, seguidos de longos períodos de estagnação (Becker, 2004). Os custos ambientais deste processo, com seus quase 600 mil km2 de ecossistemas naturais modificados até 2000, ultrapassam, de longe, os limitados benefícios sociais gerados por tais atividades.
Esquecendo-se da ciência regional de qualidade que propunha a valorização e o uso sustentável dos recursos naturais da região e apoiando-se na ciência limitada de alguns técnicos prontos para propor monumentos a espécies exóticas de valor duvidoso, tal como o colonião, esse modelo de ocupação tinha tudo para dar errado. Ao longo desse processo, a população genuinamente amazônica nunca passou sequer de um mero epifenômeno a serviço de sistemas econômicos poderosos com forte base no centro-sul do país, em vez de ser considerada como o epicentro do planejamento regional (Diniz, 1996).
O fracasso econômico e social de tal modelo de colonização ao longo dos últimos trinta anos não foi suficiente para frear o processo de ocupação desordenada do território amazônico. Se antes tais atividades eram financiadas com recursos oficiais, emprestados a juros baixos e com pagamentos a perder de vista, hoje, setores altamente capitalizados da sociedade brasileira trabalham de forma integrada para promover um novo período de ocupação agressiva na região, aproveitando-se da fragilidade da estrutura estatal e do apoio de setores políticos pouco apegados aos anseios regionais. Como conseqüência, temos testemunhado um aumento considerável no desflorestamento na região. Nos últimos quatro anos, cerca de 92 mil km2 de florestas foram destruídas.
Neste artigo argumentaremos que a perda de biodiversidade com o desflorestamento é enorme e, pela primeira vez, apresentaremos números concretos baseados em estudos recentes sobre a densidade de plantas e alguns grupos animais na Amazônia. Com base nisso, defenderemos a idéia de que não há necessidade de ampliar o desflorestamento na região e que, portanto, qualquer licença de desmatamento deveria ser proibida. Por fim, sugerimos que o sistema de ciência e tecnologia regional deve ser descentralizado cada vez mais e integrado através do desenvolvimento de programas de pesquisa integrados focalizados no desenho e no teste de modelos de territórios sustentáveis para os diferentes setores da região.

O desflorestamento e a perda de biodiversidade:
estimando a magnitude da tragédia
A sociedade brasileira recebe anualmente a estimativa de perda de floresta na Amazônia, a qual é realizada com o uso de imagens de satélite e medida em quilômetros quadrados. O que não se conhece é o quanto de recursos naturais se perde a cada quilômetro quadrado de floresta destruída. Felizmente, pesquisas recentes sobre a densidade de alguns grupos de organismos na Amazônia permitem-nos uma primeira estimativa da magnitude real da tragédia causada pelo desflorestamento registrado no último ano na região: cerca de 26.130 km2.
As plantas atingem uma extraordinária biodiversidade na Amazônia. Estima-se que a região abrigue cerca de quarenta mil espécies vasculares de plantas, das quais trinta mil são endêmicas à região (Mittermeier et al., 2003). Estudos sobre a densidade de plantas na Amazônia têm sido focalizados principalmente sobre um grupo restrito de plantas: as árvores com troncos com diâmetro a altura do peito acima de 10 cm. Em um hectare de floresta amazônica podem ser encontradas entre quatrocentas e 750 árvores. Um estudo recente estimou que, na região do arco do desmatamento, o número de árvores em 1 km2 de floresta pode variar de 45 mil a 55 mil (Ter Steege, 2003). Multiplicando-se estes valores pela área desflorestada entre 2003 e 2004, estimamos que entre 1.175.850.000 e 1.437.150.000 árvores foram cortadas nesta região.
As aves formam um dos grupos de vertebrados mais bem conhecidos do planeta. Estima-se que a Amazônia abrigue mais de mil espécies de aves e que, em um único quilômetro quadrado de floresta amazônica, podem ser registradas cerca de 245-248 espécies. Estudos recentes no Peru e na Guiana Francesa indicam que em um quilômetro quadrado de floresta amazônica, vivem 1.658 indivíduos na Guiana Francesa (Thiollay, 1994), e 1.910 no Peru (Terborgh et al., 1990). Multiplicando estes números pela área desflorestada entre 2003 e 2004 na Amazônia, estima-se que cerca de 43 a cinqüenta milhões de indivíduos foram afetados.
Os primatas também são bem conhecidos cientificamente. Eles formam um dos grupos mais diversos e interessantes de mamíferos. Estudos feitos em várias regiões na Amazônia mostram que a densidade de primatas varia bastante na região (Peres e Dolman, 2000). Na Amazônia ocorrem 14 gêneros de primatas, dos quais 5 ocorrem exclusivamente nesta região. Em um quilômetro quadrado de floresta amazônica, pode-se registrar até 14 espécies de primatas. Assim, para estimar quantos indivíduos de primatas foram afetados com o desflorestamento, utilizamos somente os estudos de primatas feitos em Rondônia, Mato Grosso e Pará, os estados campeões do desflorestamento. Eles indicam que um quilômetro quadrado de floresta pode abrigar entre 35 e 81 indivíduos (Peres e Dolman, 2000). Multiplicando estes números pela área desflorestada, estimamos que entre 914.550 e 2.116.530 indivíduos foram afetados.
De forma bastante simplificada, estes números ilustram quantas árvores, aves e primatas foram perdidos por causa da última onda de desflorestamento na Amazônia e servem para dar uma idéia da magnitude da perda e do desperdício de recursos naturais associados a esse processo. Se incorporarmos a esses cálculos os outros grupos de organismos, tais como anfíbios e répteis, talvez a perda real seja estimada em algumas centenas de milhões de indivíduos. Entretanto, é difícil para a população compreender a magnitude desta perda sem uma comparação adequada. No caso da perda das árvores, se colocarmos todas as árvores derrubadas lado a lado e assumirmos que cada uma tem o tronco com largura máxima de 10 cm, podemos estimar, de forma bastante conservadora, que estas árvores se estenderiam entre 117.585 e 143.715 km, o que representa cerca de três a três vezes e meia a circunferência da Terra no Equador. Os números estimados para animais são também enormes e muitas vezes maiores do que, por exemplo, o tráfico ilegal de animais. Apenas para comparar com o comércio global de animais silvestres, especula-se que entre dois e cinco milhões de aves e entre 25 mil e quarenta mil primatas são comercializados anualmente no mundo (Renctas, 2001). Estes números são apenas frações do que se perdeu com o desflorestamento do último ano na Amazônia. A Renctas (2001) chegou à conclusão de que o tráfico de animais no Brasil retira, anualmente, da natureza, cerca de 38 milhões de indivíduos de diferentes grupos de organismos. Este número ainda é inferior ao número de aves perdidas com o último ano de desflorestamento na Amazônia.
A perda de biodiversidade é a principal conseqüência do desflorestamento na Amazônia e é, também, totalmente irreversível. Sempre é possível evitar a erosão dos solos e recuperar corpos d'água e ciclagem de nutrientes utilizando sistemas ecológicos simplificados, mas é impossível trazer de volta espécies extintas. Estudos recentes mostram que as espécies na Amazônia não são amplamente distribuídas, pois elas são restritas (Cracraft, 1985). Além disso, a maioria das espécies é rara, possuindo populações pequenas, sendo muito sensíveis a quaisquer modificações em seus hábitats (Terborgh et al., 1990; Thiollay, 1994). O desflorestamento em grande escala ameaça milhares de espécies, algumas das quais já estão listadas como ameaçadas de extinção pelo governo federal, tais como algumas espécies de aves (Dendrexetastes rufigula rufigula, Dendrocincla merula badia,Dendrocincla fuliginosa trumai, Pyrrhura lepida coerulescens, Pyrrhura lepida lepida, Clytoctantes atrogularis ePhlegopsis nigromaculata paraensis) e primatas (Cebus kaapori, Allouatta belzelbul ululata e Chiropotes satanas).

O desmatamento zero como uma necessidade estratégica
de promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia
Em 2003, o Museu Paraense Emílio Goeldi e a Conservação Internacional elaboraram um documento sugerindo, entre outras coisas, o desmatamento zero na Amazônia, com especial ênfase no chamado "arco do desmatamento", uma ampla região que se estende do Maranhão até Rondônia. Muitas recomendações propostas pelas duas instituições foram incorporadas pelo governo federal no Plano de Controle e Prevenção do Desmatamento. Entretanto, a recomendação principal não foi adotada. O alto custo político de se tomar uma decisão forte como esta pode ter limitado a ação governamental. Voltamos a insistir que determinar o desmatamento zero na Amazônia por meio de um mecanismo legal é uma necessidade real estratégica para o país, pois tem como propósito evitar a perda de recursos naturais importantes, garantir a ordenação do espaço amazônico e promover o desenvolvimento sustentável na região.
De forma simplificada, a Amazônia pode ser dividida em terras públicas e privadas. As terras privadas, adquiridas legalmente e com registros em cartórios, ocupam um espaço restrito na região e estão concentradas em zonas de fronteiras antigas, nos estados do Maranhão, Pará, Mato Grosso e Rondônia. A grande maioria destas terras possui passivos ambientais enormes para com a sociedade brasileira, pois muitas já removeram mais de 80% das florestas nessas propriedades, violando, portanto, a legislação mais recente que define a área de reserva legal na Amazônia brasileira. Para esses proprietários, um decreto como desmatamento zero pouco afetaria as suas atividades econômicas. Na verdade, seria uma grande oportunidade para que estes proprietários pudessem regularizar suas situações junto aos órgãos ambientais através de compromissos mediados pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Tais acordos teriam como objetivo a re-composição da floresta nativa em setores estratégicos da propriedade visando à manutenção de processos ecológicos, tais como manutenção dos cursos d'água e inibição de processos erosivos, necessários para garantir a sustentabilidade da produção agropastoril. Institutos de pesquisa e organizações não-governamentais poderiam estabelecer parcerias com os proprietários rurais para mapeamentos e apoio técnico para a gestão ambiental eficaz das propriedades. O governo federal também poderia incentivar a criação de reservas privadas do patrimônio natural (RPPNs) nas reservas legais e áreas de proteção permanente das propriedades que abrigassem populações de espécies de animais ameaçados de extinção ou que garantissem conectividade entre unidades de conservação e/ ou terras indígenas. As grandes empresas compradoras de produtos da região poderiam também oferecer melhores preços e prioridade de compra para aquelas propriedades que criassem RPPNs e mantivessem sistemas de gestão ambiental eficazes em suas propriedades. No caso das poucas propriedades legalizadas e que ainda não tivessem ocupado mais de 20% da área em atividades econômicas não florestais, o governo federal poderia fornecer isenção de impostos, facilidades de crédito e apoio técnico para o aumento da produtividade nas áreas que já estão sendo utilizadas.
As áreas públicas na região podem ser classificadas em dois grupos: as que já tiveram um destino definido e as que ainda não o tiveram. Entre as primeiras estão as unidades de conservação, as terras indígenas e os projetos de desenvolvimento sustentável (PDSs), que são gerenciadas pelos órgãos públicos. Cabe ao poder público investir sozinho ou estabelecer parcerias estratégicas para que essas áreas sejam implementadas de forma consistente e passem a desempenhar, de forma adequada, as funções sociais para as quais foram criadas.
Entre as áreas públicas que não tiveram seus destinos definidos, podemos reconhecer três grandes categorias: a) as áreas não ocupadas; b) as áreas ocupadas e ainda cobertas por florestas; e c) as áreas ocupadas e já alteradas. As'áreas não ocupadas deveriam ser transformadas prioritariamente em unidades de conservação de proteção integral. Essas unidades devem ser grandes (mais de 500 mil ha), pois elas formam a espinha dorsal de um sistema de unidades de conservação regional. Elas protegem a diversidade biológica da região com nenhuma ou pouca influência humana e desempenham um papel muito importante, como verdadeiros bancos naturais de recursos genéticos para aproveitamento econômico futuro. As áreas ocupadas e cobertas por florestas precisam ser estudadas detalhadamente para verificar as diferentes categorias socioambientais que usam o território. Se forem populações indígenas, então a área deveria ser demarcada como terras indígenas. Se forem populações tradicionais, então estas áreas poderiam ser destinadas à criação e à implementação de unidades de conservação de uso sustentável, tais como reservas extrativistas ou de desenvolvimento sustentável. Se os ocupantes da terra não são populações tradicionais, então estudos mais detalhados precisam ser realizados para definir o melhor destino das terras. Hoje existe a possibilidade de se estabelecer Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDSs), ou mesmo utilizar o mecanismo de concessão florestal por tempo limitado, caso este venha a ser implementado. Porém, nesse caso, o sucesso dessa iniciativa dependerá da fiscalização da exploração ilegal de madeira, uma vez que a existência de madeira ilegal no mercado desestabiliza os preços e inviabiliza a exploração sustentável. Finalmente, no caso das áreas públicas ocupadas e já alteradas, a estratégia mais eficaz seria regularizá-las dentro de um amplo programa de ordenamento fundiário, e apoio ao pequeno produtor. Nesse programa, experiências como o Proambiente e apoios a sistemas agroflorestais podem ser essenciais para garantir a recuperação das reservas legais e das áreas de proteção permanente destas áreas.
A proposta do desmatamento zero foi duramente criticada por indivíduos e organizações sem uma análise detalhada e multidimensional da situação atual. Alguns setores falam hoje de desmatamento legal, direcionado para áreas com solos produtivos e adequados para a agricultura. Como essas áreas são, em geral, enclaves na bacia amazônica, elas podem possivelmente abrigar comunidades biológicas únicas e, portanto, recursos genéticos essenciais para a nação. Conceder licenças de desmatamento na ausência de conhecimento adequado da importância estratégica de uma área para a manutenção do patrimônio biológico brasileiro é violar o princípio básico da precaução, tão bem aceito pelos países signatários da Convenção da Diversidade Biológica.
A proposta do desmatamento zero não visa a imobilizar o desenvolvimento econômico da região. Na verdade, é uma proposta inovadora que visa a promover uma ampla mobilização de esforços e recursos para que os quase 600 mil km2 de áreas que já foram desflorestadas na Amazônia legal tenham uma destinação social adequada. Esta área equivale à área do estado de Minas Gerais, que abriga uma população equivalente à atual população da Amazônia e possui melhor qualidade de vida do que os estados amazônicos. Assim, não há justificativa social ou econômica concreta para continuar ampliando a substituição da floresta por outras formas de uso da terra. Acreditamos que com um programa ambicioso de regularização fundiária e uso intensivo das áreas já alteradas seria possível estabelecer um clima estável que favoreça investimentos de longo prazo. Paralelamente, é necessário que os governos federal e estadual reconheçam a vocação florestal da região e incentivem uma estratégia integrada de desenvolvimento que valorize a floresta em todos os seus sentidos. Experiências inovadoras como as do Estado do Amazonas e do Amapá demonstram que há interesse regional em promover o desenvolvimento, considerando as unidades de conservação e o uso sustentável dos recursos florestais como oportunidades de negócios. Uma nova economia regional está em formação e, com a sua implementação, uma grande parte da cobertura floresta da Amazônia estaria garantida. Assim, a chave para frear o desmatamento na região e aumentar significativamente os indicadores de qualidade de vida da população regional é combinar a conservação e o uso sustentável de 83% da floresta amazônica com o uso intensivo, com amplo suporte tecnológico e infra-estrutura adequada dos 17% de áreas já alteradas.

Territórios sustentáveis na Amazônia e a necessidade de pesquisas
integradas para o desenvolvimento da região
Novas estratégias de ciência e tecnologia (C&T) para a região amazônica devem considerar a criação de programas que visem a induzir a produção do conhecimento, conservação e geração de riquezas na região, e um planejamento que garanta que o componente de informação e conhecimento receba destaque para subsidiar linhas de ação de manutenção dos principais processos biológicos, da promoção de uso dos recursos naturais, da conservação da biodiversidade e da gestão integrada do território. Isto requer uma abordagem interdisciplinar, que integre temas biológicos e socioculturais (Vieira et al., 2000), processos climáticos (Nobre e Nobre, 2002), estudos das paisagens (Ab'Sáber, 2002), padrões e processos da origem e manutenção da biodiversidade (Haffer e Prance, 2002) e recursos hídricos.
O sistema atual de C&T na Amazônia está centralizado nas instituições de ensino e pesquisa das duas maiores metrópoles regionais. Os investimentos na região são poucos e não atingem, por exemplo, a mesma proporção da contribuição da região ao PIB nacional (Diniz, 1996). O maior desafio da ciência amazônica é descentralizar e, ao mesmo tempo, integrar suas ações de uma forma coerente e plenamente engajada nos principais desafios regionais. A descentralização pode ser feita via criação de institutos de pesquisa ou instituições de ensino superior públicos ou privados em municípios estratégicos da região. É preciso ter um programa forte de atração de mestres e doutores para estes novos pólos associado à construção de uma infra-estrutura de trabalho que permita a estes pioneiros se manterem conectados à grande rede mundial de pesquisas. Com o avanço das tecnologias de comunicação isso pode ser feito de forma rápida e a um baixo custo, como, por exemplo, a expansão da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), que segue este princípio. A integração das ações de ciência e tecnologia passa pelo desenvolvimento de grandes projetos temáticos via criação e expansão de redes de colaboração interinstitucional. O intercâmbio de experiências e o compartilhamento de laboratórios reduziriam os custos da pesquisa e criariam um ambiente permanente de aprendizado sobre os contextos sociais e políticos das diferentes regiões da Amazônia.
Dentre os vários temas integrados possíveis de investigação na Amazônia, o que está mais relacionado ao processo de gestão territorial da região é o planejamento e a implementação de territórios sustentáveis, ou seja,um mosaico de usos de terra complementares gerenciados de forma integrada que permitam conservar a biodiversidade e manter tanto a dinâmica dos processos ecológicos como a dinâmica socioeconômica de um determinado território. Para isso, é preciso integrar e aplicar os conhecimentos científicos diversos para desenvolver modelos sustentáveis de uso do território na região.
Projetos temáticos deste tipo precisam ser desenvolvidos por um consórcio de organizações que formem grupos de pesquisa multidisciplinares. A princípio, seis projetos seriam apoiados, devendo estar distribuídos de acordo com a proposta de divisão geopolítica da Amazônia de Becker (2001) que distingue três grandes unidades sub-regionais: a Amazônia oriental e meridional, que abarca o arco do desmatamento, a Amazônia central e a Amazônia ocidental. Dessa forma, os projetos-piloto deveriam ser assim distribuídos: a) dois ao longo do arco do desmatamento ou Amazônia oriental e meridional, sendo um em uma área de colonização mais antiga (leste do Pará) e um em uma área de colonização mais recente (Mato Grosso, Rondônia ou sul do Pará); b) dois na Amazônia central (que inclui Amapá, Pará, leste do Amazonas e parte de Rondônia); e c) dois na Amazônia oriental (que inclui o resto do Amazonas, Roraima e Acre). Essa distribuição dos projetos-piloto permite cobrir, de forma adequada, a maioria dos padrões de uso da terra na região.
Cada projeto deve definir precisamente a "unidade territorial de análise", que não deve ser menor do que os limites municipais ou de uma bacia hidrográfica (a escala da bacia ainda precisa ser definida). O projeto deve também contar com um forte apoio local (prefeituras, sociedade civil organizada etc.) e ser liderado por um pesquisador com competência científica demonstrada na forma de publicações científicas, formação de recursos humanos e coordenação de projetos multidisciplinares. O pesquisador deve ter pelo menos o título de doutor.
Cada projeto dever ser composto por quatro componentes principais: a) coleta de informações básicas; b) organização e integração de informações; c) disseminação e divulgação; e d) formação de recursos humanos.
O componente de informações básicas, por sua vez, deve ser composto pelo menos dos seguintes itens: a) caracterização da paisagem; b) estrutura e funcionamento dos ecossistemas e c) dinâmica econômica e social. A caracterização da paisagem inclui os seguintes assuntos: a) desenvolvimento de modelos de paisagem através da integração de informações biológicas (vegetação), solo, geomorfologia, clima e biofísica; b) desenvolvimento de protocolos de inventário biológico para grupos indicadores da qualidade do hábitat; c) desenvolvimento de modelos para predizer a distribuição de espécies indicadoras a partir da integração das informações do inventário biológico com as paisagens; d) estudo da área de vida e densidade de populações de espécies indicadoras; e e) ciclos de vetores de doenças. O estudo da estrutura e funcionamento de ecossistemas deve incluir ainda a) o estudo de interações biológicas críticas, tais como dispersão de sementes e polinização; b) a dinâmica de populações de espécies indicadoras; a dinâmica da paisagem, incluindo ciclos naturais de perturbação e sucessão vegetal; e c) a dinâmica biofísica e biogeoquímica dos ecossistemas, desenvolvimento de modelos e instrumentos de simulação da dinâmica dos ecossistemas. Para compreender as tendências atuais das formas de uso dos recursos naturais (e poder melhor orientá-las) é indispensável: a) identificar os atores envolvidos no processo, e o papel dessas redes na estratégia das populações; b) avaliar os padrões de desmatamento e de conservação; c) identificar os sistemas de produção, cadeias produtivas e técnicas; d) analisar a sustentabilidade de alternativas inovadoras (manejo florestal; recursos madeireiros e não-madeireiros; recuperação de áreas alteradas; manejo de florestas secundárias; valoração monetária/ não monetária; economia da pesca; piscicultura; biotecnologia); e) identificar as demandas em recursos e meios, tais como terra, crédito e ciência e tecnologia; f) realizar análise de risco1 para a saúde humana dos padrões de uso da terra existentes e indicadores de saúde das alternativas inovadoras sustentáveis.
O componente de organização e integração das informações é composto de dois itens principais. O primeiro diz respeito à construção de base de dados e à análise espacial, pois a organização de um banco de dados sobre socioeconomia e ecologia das regiões estudadas e análise espacial integrando essas informações faz com que as possibilidades de uso interdisciplinar e interinstitucional sejam ampliadas. O segundo item requer a elaboração de um sistema de apoio à tomada de decisão. A integração das informações dos projetos deve ficar disponível a outras instituições, principalmente para tomadores de decisão. É preciso, então, construir uma "base tecnológica de integração" através do desenvolvimento de software abertos e disponíveis na internet, mapas temáticos etc. Esses produtos permitirão uma visualização integrada dos resultados dos projetos e otimizarão tomadas de decisão em níveis locais e regionais.
Um dos principais desafios da comunidade científica que estuda a problemática amazônica dentro de um contexto de desenvolvimento sustentável é o impacto dos resultados de pesquisa nas mudanças de comportamento social ou políticas públicas. Nesse sentido, é necessário haver uma estratégia adequada para a disseminação e a divulgação dos resultados dos projetos-piloto.
Um dos principais pontos do programa-piloto é a sustentabilidade das soluções apresentadas para proteger as florestas tropicais. Com o atual reduzido número de pesquisadores na Amazônia, a formação de jovens cientistas com visão integrada das diversas áreas do conhecimento, face aos desafios de gestão territorial, é fundamental para o sucesso do projeto a médio prazo. Entende-se que o enfoque multidisciplinar é essencial na busca de soluções economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis para a Amazônia. Nesse sentido, os projetos deverão necessariamente estar vinculados a cursos de graduação e pós-graduação visando à formação de graduados, mestres e doutores com ampla compreensão dos problemas regionais. Tais cursos devem ter tradição em estudos amazônicos e/ ou a sinalização de prioridade nesta área. A estratégia de formação de pessoal numa proposta como essa deve permitir a formação de profissionais, com experiência na aplicação de abordagens modernas de pesquisa e na ação interdisciplinar, com vistas ao desenvolvimento sustentável.
Programas integrados deste tipo produzem mais resultados e são mais estratégicos do que um conjunto de projetos isolados. Assim, os seguintes produtos poderiam ser obtidos a partir deste programa de investigação científica: a) base para a formulação de um programa de desenvolvimento sustentável para a Amazônia; b) desenvolvimento de uma ferramenta de gestão territorial; c) criação de banco de dados integrados, acessíveis aos tomadores de decisão; d) validação de "tecnologias" sustentáveis; e) formação de grupos de pesquisa locais; f) fortalecimento de cursos de graduação e pós-graduação da Amazônia. As vantagens desta proposta em relação às formas tradicionais de apoio à pesquisa na região são as seguintes: a) promove o desenvolvimento de projetos centrados em espaços territoriais definidos; b) permite uma abordagem integrada que possibilita replicabilidade; c) apóia uma política de ciência e tecnologia baseada em realidades concretas; d) desenvolve projetos-piloto que permitem desenvolver instrumentos mais refinados de análise, rever e avançar na teoria; e) gera cenários futuros para a região; f) permite integração com outros projetos.

Nota
1 A análise de risco é importante para quem se interessa pela saúde em geral pela qualidade de vida de populações humanas e planeja um estudo interdisciplinar e multiinstitucional. Essa análise integra as informações que caracterizam a área a ser estudada e as populações presentes e o conhecimento epidemiológico preexistente (o que envolve informações sobre vetores, endemias e demais doenças) com as múltiplas interfaces da pesquisa global; avalia o risco e, na última fase, propõe formas de trabalhar com esses riscos presentes.

Referências
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